Veículos Elétricos e Sustentabilidade: o Brasil está preparado para esse novo cenário?

Os impactos ambientais, cada vez mais comuns nos dias de hoje, trouxeram à tona a necessidade de mudanças significativas em políticas públicas globais e nacionais em relação ao meio ambiente.

Em 2015, na sede das Nações Unidas, em Nova Iorque, reuniram-se Chefes de Estado e Governantes para criar um conjunto de objetivos e metas universais e transformadoras para o desenvolvimento sustentável global. 

Conhecida como “A Agenda 2030”, todos os países signatários, dentre eles o Brasil, comprometeram-se a cumprir 17 objetivos de desenvolvimento sustentável que estimularam a ação para os próximos anos a criar um equilíbrio entre as três dimensões do desenvolvimento sustentável: a econômica, a social e a ambiental. 

No plano econômico e ambiental, a indústria automobilística vem se destacando quanto aos investimentos em tecnologias capazes de diminuir os impactos ambientais e os efeitos das mudanças climáticas, surgindo assim uma nova figura no mercado mundial: os carros elétricos. 

O primeiro motor elétrico da história foi criado pelo engenheiro húngaro Ányos Jedlik em 1828, mas somente em 1834 foi criado o carro elétrico pelo empresário e químico escocês Robert Anderson.

A produção de veículos elétricos começou a perder lugar para os carros a combustão em 1912. O americano Henry Ford potencializou ainda mais os carros quando criou a linha de produção, barateando e produzindo veículos em alta escala, sem contar a corrida pelo petróleo, conhecido como “ouro negro” que, além de combustível, servia como matéria-prima para outros produtos, como o plástico, por exemplo. 

Certo é que os carros elétricos têm menor emissão de CO2 se comparados a um veículo movido a combustão. Estes liberam resíduos como monóxido de carbono, dióxido de carbono e dióxido de enxofre durante a utilização.

Entretanto, ao contrário do que pensamos, os carros elétricos não serão a “tábua de salvação” para um mundo menos poluído e mais sustentável.

Ainda que a taxa de poluição seja baixa, os carros elétricos têm um maior impacto ambiental na fase da fabricação. Diogo Seixas, fundador da Atlas Power, startup de mobilidade elétrica de Santa Catarina e diretor de componentes da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE), afirma que, na produção de um veículo elétrico, 85% da energia vêm de fontes renováveis e, somente 15% são geradas por petróleo e carvão. 

Outro ponto de atenção são as baterias e itens eletrônicos dos carros elétricos. Um relatório da UNCTAD – órgão da ONU – alerta para o crescimento na mineração de matérias-primas usadas para fabricar baterias recarregáveis, como lítio, cobalto e grafite. 

Uma das regiões mais secas do mundo é o oásis do lítio, localizado embaixo das salinas nas regiões andinas da Argentina, Bolívia e Chile. A extração do lítio depende de enormes quantidades de água subterrânea para bombear salmouras de poços perfurados. Estima-se que são necessários quase 2 milhões de litros de água para produzir apenas uma tonelada de lítio. 

No Salar de Atacama, no Chile, as atividades de mineração de lítio consumiram 65% da água, causando um colapso nas águas subterrâneas, sem contar a contaminação do solo e outras formas de degradação ambiental. 

A República Democrática do Congo possui quase 50% das reservas mundiais de cobalto, que correspondem a mais de dois terços da produção global do mineral. De acordo com a Unicef, dessas reservas, 20% do cobalto é extraído por crianças em condições extremamente perigosas. Sem contar com os problemas de saúde enfrentados pelos mineradores. 

Em relação ao grafite, juntos, Brasil, China e Turquia possuem 80% das reservas naturais deste minério. O uso de explosivos lança poeiras e partículas finas no ar, causando problemas de saúde e contaminação do solo.

Esse cenário catastrófico pode ser mudado, ou ao menos diminuído, quando grandes empresas investirem em uma extração de minerais sustentável, investindo em técnicas e tecnologias de mineração, por exemplo. 

E foi com base na sustentabilidade e na integração de políticas ambientais e econômicas que a China vem ganhando cada vez mais destaque no cenário econômico global. 

Um país localizado na Ásia, até então tímido no cenário global, começou a entrar no mercado econômico, principalmente no setor de carros elétricos de baixo custo em operação comercial. A China, reconhecendo a necessidade de reduzir a dependência exclusiva de combustíveis fósseis, passou a investir em setores da tecnologia, inovações e serviços, incentivando o NEVs – New Energy Vehicles – nova energia veicular, na tradução livre.

Em janeiro de 2024, a BYD – marca chinesa – ultrapassou a Tesla e tornou-se a maior fabricante de carros elétricos do mundo, vendendo cerca de 530 mil carros, superando os 485 mil da Tesla.  Em novembro do mesmo ano, as vendas de veículos elétricos alcançaram 1,43 milhões de unidades em outubro. 

Além do mercado interno, a empresa chinesa expandiu a produção dos veículos elétricos para o Brasil. O Brasil é o maior mercado da marca fora da China, o que potencializou ainda mais a escolha da empresa ao escolher a antiga fábrica da Ford em Camaçari, na Bahia, para sediar a empresa no território brasileiro. 

Camaçari foi, durante muito tempo, referência na indústria automobilística. Combinados fatores estratégicos, logísticos e econômicos, muitas empresas investiram e concentraram suas linhas de produção naquela área. Além do incentivo fiscal dado ao governo para reduzir os impostos, o governo proporciona condições favoráveis de financiamento através do programa “Desenvolve Bahia”.

Assim como a iniciativa privada, Estados passaram a incentivar a transição para tecnologias limpas. São Paulo, Rio de Janeiro e Pernambuco, por exemplo, já concedem isenção total ou parcial para veículos elétricos e híbridos.

O Estado de São Paulo, além de liberar o rodízio veicular na cidade, isentou o pagamento do IPVA para os proprietários de veículos movidos a hidrogênio e veículos híbridos com motor elétrico e a combustão que atendem a critérios específicos. Entretanto, para fazer jus à isenção, o valor do veículo não poderá superar o total de R$ 250 mil e deverá ser atualizado pelo IPCA anualmente. 

A maioria dos Estados aderiram à isenção. Distrito Federal, Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte, Maranhão, Pernambuco e São Paulo isentam totalmente o IPVA de carros elétricos. Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul, Paraná, Alagoas e Ceará possuem isenção parcial do IPVA.

A isenção de IPVA para carros elétricos e híbridos, ainda que benéfica para a promoção da sustentabilidade e à redução das emissões de gases poluentes, gera implicações fiscais a longo prazo.

No entanto, a curto prazo, as implicações ainda são limitadas em muitos estados, uma vez que os carros elétricos e híbridos correspondam a uma pequena fração da frota total do Brasil.

Contudo, à medida que as fábricas instalam-se no Brasil, os preços tendem a diminuir e a renúncia fiscal aumentar. A ANFAVEA (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores) divulgou, recentemente, um estudo em parceria com o Boston Consulting Group (BCG) que projeta um cenário otimista para o mercado de veículos elétricos e híbridos no Brasil. Segundo a pesquisa, até o final da década, cerca de 50% dos veículos vendidos no país serão de tecnologias mais sustentáveis, refletindo um avanço na descarbonização do setor automotivo.

Uma solução viável e, financeiramente rentável para os cofres públicos, seria cobrar uma alíquota maior de IPVA de carros mais antigos. A lógica é a seguinte: carros antigos possuem uma tecnologia inferior às dos carros de hoje e, em sua maioria são mais poluentes que carros novos. Hoje, dependendo do estado, carros com mais de 20 anos são isentos de IPVA. A isenção para carros antigos perpetua carros mais poluentes e menos eficientes, desestimulando a renovação da frota no país. 

Portanto, o desafio das gerações futuras será o equilíbrio entre os benefícios ambientais e sociais com a necessidade de preservar a necessidade arrecadatória do setor público, garantindo que esta política seja economicamente viável e socialmente justa a longo prazo. 

Referência Bibliográfica