STF reafirma entendimento sobre a não incidência de ICMS na transferência de bens do mesmo contribuinte

O tema envolvendo a não incidência de ICMS na transferência de mercadorias entre estabelecimentos de uma mesma empresa sempre foi controverso na jurisprudência e na legislação tributária brasileira. A principal discussão reside no fato de que, nesses casos, não há uma operação mercantil com a transferência da propriedade do bem, mas apenas uma movimentação interna da empresa.

Ocorre que, por muitos anos, os estados vinham exigindo o recolhimento do ICMS nessas operações, baseando-se na ideia de que qualquer deslocamento de mercadorias entre estabelecimentos de um mesmo contribuinte configuraria uma circulação econômica tributável. Isso gerou um descompasso entre as legislações estaduais e o próprio entendimento do Superior Tribunal de Justiça, que há tempos já decidia pela não incidência do ICMS no simples deslocamento entre filiais, visto que não constituía fato gerador (Súmula 166). Além disso, o Supremo Tribunal Federal historicamente reconhecia que o imposto incide apenas em operações comerciais entre partes distintas, entendimento consolidado no Tema 1.099.

Diante desse descompasso, os contribuintes eram obrigados a recorrer ao Judiciário para garantir a ausência de tributação nesses casos. Após inúmeros processos judicializados, a questão chegou ao STF, que, em 14 de agosto de 2020, julgou, sob o regime de repercussão geral, o Recurso Extraordinário com agravo 1.255.885, firmando a seguinte tese:

Tema 1.099 STF: Não incide ICMS no deslocamento de bens de um estabelecimento para outro do mesmo contribuinte localizado em estados distintos, visto que não há transferência de titularidade nem realização de ato de mercancia.

Quando da publicação do Tema 1.099 do STF, não foram estabelecidas as modulações da decisão, ou seja, não se definiu quais efeitos práticos a decisão traria para os contribuintes, principalmente em relação ao termo inicial de vigência e à apuração dos créditos. Afinal, para além do pedido principal quanto à declaração da inconstitucionalidade da tributação sobre a transferência entre filiais, o pedido subsidiário dos contribuintes era para que o crédito ficasse acumulado no estabelecimento de origem.

Em abril de 2023, foram estabelecidas as modulações:

Decisão: O Tribunal, por maioria, julgou procedentes os embargos para modular os efeitos da decisão, conferindo-lhe eficácia pró-futuro a partir do exercício financeiro de 2024. Foram ressalvados os processos administrativos e judiciais pendentes de conclusão até a data de publicação da ata de julgamento da decisão de mérito. Caso os estados não regulamentem a transferência de créditos de ICMS entre estabelecimentos de mesmo titular dentro do prazo estipulado, fica reconhecido o direito dos sujeitos passivos de transferirem tais créditos. Além disso, foi declarada a inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, do art. 11, § 3º, II, da Lei Complementar nº 87/1996, excluindo do seu âmbito de incidência apenas a hipótese de cobrança do ICMS sobre transferências de mercadorias entre estabelecimentos de mesmo titular.

Em linhas gerais, o STF decidiu que:

  1. O crédito será mantido pela empresa contribuinte, ou seja, a empresa não perderá o crédito pelo fato de a saída interestadual não ser mais tributada, mantendo-se o crédito no estado de origem.
  2. Os estados devem regulamentar a forma de transferência desse crédito do estabelecimento de origem para o estabelecimento de destino da mercadoria.
  3. O Supremo estabeleceu que os efeitos da decisão começam a valer a partir de 1º de janeiro de 2024. Dessa forma, a partir dessa data, todas as operações de transferência interestadual de mercadorias do mesmo contribuinte não sofrerão incidência de ICMS.

Para além da discussão sobre a transferência de crédito, que será analisada em um próximo texto, o objetivo desta análise é examinar os termos definidos no Tema 1367, submetido ao rito de repercussão geral (Recurso Extraordinário 1.490.708). Nesse caso, discute-se, à luz do artigo 102, § 2°, da Constituição Federal, se a atribuição de efeitos prospectivos à declaração de inconstitucionalidade da incidência de ICMS na transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte, estabelecida no Tema 1.099/RG e na ADC 49, impõe a incidência do tributo nas operações não ressalvadas pela modulação de efeitos.

A principal questão abordada era se a modulação dos efeitos da decisão na Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 49 impunha a incidência do ICMS nas operações não ressalvadas pelo Supremo. Isso porque, com a modulação dos efeitos da ADC 49, definiu-se que a decisão teria eficácia apenas a partir de 2024, salvo para processos administrativos e judiciais já em andamento antes da publicação da ata de julgamento da decisão de mérito (29/04/2021).

Diante desse cenário, o Estado de São Paulo interpôs recurso alegando que alguns tribunais estaduais estariam desconsiderando essa modulação ao afastar a cobrança do ICMS em operações anteriores a 2024, mesmo sem a existência de processos pendentes até 2021.

Com isso, foi publicada no Diário Oficial, em 11 de fevereiro de 2025, a seguinte tese de repercussão geral:

A não incidência de ICMS no deslocamento de bens de um estabelecimento para outro do mesmo contribuinte localizado em estados distintos, estabelecida no Tema 1.099/RG e na ADC 49, tem efeitos a partir do exercício financeiro de 2024, ressalvados os processos administrativos e judiciais pendentes de conclusão até a data de publicação da ata de julgamento da decisão de mérito da ADC 49 (29/04/2021).

O STF reafirmou que não incide ICMS no deslocamento de bens entre estabelecimentos do mesmo contribuinte, reforçando a tese já fixada no Tema 1.099 da Repercussão Geral e na ADC 49. No entanto, a Corte também deixou claro que os efeitos dessa decisão são válidos apenas a partir do exercício financeiro de 2024.

Isso significa que, para operações realizadas antes de 2024, caso não houvesse um processo administrativo ou judicial pendente até 29 de abril de 2021, o ICMS ainda seria devido. Dessa forma, o STF reforça a segurança jurídica, impedindo que decisões judiciais contrariem a modulação de efeitos já estabelecida.