I – Qual legislação deve ser aplicada?
Empresas estrangeiras que contratam brasileiros para prestação de serviços no Brasil, com ou sem domicílio no país, devem cumprir a legislação trabalhista brasileira.
O artigo 651 da CLT define a competência territorial da Justiça do Trabalho. Esta regra determina que as ações trabalhistas devem ser ajuizadas no local onde o empregado prestou serviços.
A Lei nº 7.064/82 dispõe sobre a situação de trabalhadores contratados ou transferidos para prestar serviços no exterior, e, no entendimento da jurisprudência dominante a respeito do assunto, aplica-se a norma mais favorável que, no caso, presume-se ser a brasileira, na ausência da lei estrangeira.
No entanto, há lacunas, pois a redação da da referida lei não prevê a possibilidade de contratação de brasileiros por empresas do exterior para prestação serviços no Brasil. A Lei retromencionada dispõe somente sobre trabalhadores brasileiros transferidos para o exterior ou trabalhadores contratados diretamente por empresa estrangeira para atuarem no exterior, ou seja, no contexto do teletrabalho, a definição da competência para a resolução de dissídios trabalhistas apresenta um desafio, uma vez que a CLT não prevê explicitamente normas para essa modalidade.
Nesse caso, os Tribunais têm recorrido ao artigo 651, § 1º da CLT, que estabelece critérios para a competência das Juntas de Conciliação e Julgamento em casos envolvendo agentes ou viajantes comerciais. O artigo determina que a competência é definida pela localidade onde a empresa possui agência ou filial, ou, na ausência dessas, pelo domicílio do empregado ou pela localidade mais próxima.
A aplicação do critério lex loci executionis é o entendimento jurisprudencial que prevalece no Tribunal Superior do Trabalho. Isso porque, como o que vale é a norma mais favorável para reger as relações trabalhistas, pode ser aplicada a legislação vigente no local da contratação ou a da localidade da prestação de serviços.
II – E se o empregado for contratado ou convidado para trabalhar no exterior?
Os artigos 12 a 20 da Lei 7.064/82 enunciam que a contratação de trabalhador, por empresa internacional, para trabalhar no exterior, está condicionada à prévia autorização da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, e ela somente poderá ser dada à empresa de cujo capital participe, em pelo menos 5%, pessoa jurídica domiciliada no Brasil.
III – Abertura de Offshore e a contratação de empregados
1 – Caso uma empresa Brasileira tenha expectativa de abrir uma Offshore para fundo de investimento, por exemplo, mas queira manter o CNPJ e as atividades no Brasil, há possibilidade de realizar a transferência dos empregados para Offshore – empresa do mesmo grupo econômico – pelo próprio E-SOCIAL (eventos S-2200, S-2206 e S-2299). Nessa hipótese não haveria necessidade de rescisão e recontratação. Os empregados com ou sem estabilidade, manteriam o contrato em continuidade normalmente. No entanto, a empresa estrangeira ficaria relacionada à matriz no Brasil e não poderia ser encerrada, pois para a transferência deve haver identidade societária.
É importante registrar o consentimento do empregado para a transferência de CNPJ, bem como as eventuais despesas devem ser custeadas pela empresa. Vejamos o artigo 468 da CLT:
Art. 468 – Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.
2 – Caso a empresa faça encerramento do CNPJ do Brasil, será necessário realizar a dispensa dos empregados para a recontratação pela empresa Offshore.
Para empregados com estabilidade, a empresa deve indenizar o período completo da estabilidade na rescisão contratual. Neste cenário, não é recomendada a recontratação.
Vale destacar que recontratação de empregados pode implicar no risco de unicidade contratual e eventual processo na Justiça do Trabalho, correndo-se o risco de incorrer em fraude à legislação, sendo, portanto, oficiada a Receita Federal para fins legais.
A exemplo, a jurisprudência:
UNICIDADE CONTRATUAL. READMISSÃO EM CURTO LAPSO TEMPORAL. GRUPO ECONÔMICO. FRAUDE . Comprovado que a rescisão do contrato de trabalho foi sucedida da readmissão do empregado por empresa do mesmo grupo econômico e após curto lapso de tempo, para realização de atividades idênticas, resta caracterizada a fraude trabalhista apta a ensejar o reconhecimento da unicidade contratual. Inteligência do art. 9º da CLT. (TRT-3 – ROT: 0010533-04 .2023.5.03.0034, Relator.: Rosemary de O .Pires, Quarta Turma)
EMENTA GERDAU AÇOS LONGOS. RECURSO ORDINÁRIO. TRANSFERÊNCIA DE EMPREGADO A FILIAL NO EXTERIOR. EXTINÇÃO FORMAL DO CONTRATO DE TRABALHO COM A EMPRESA BRASILEIRA . CONTRATAÇÃO FORMAL PELA EMPRESA ESTRANGEIRA INTEGRANTE DO GRUPO ECONÔMICO. UNICIDADE CONTRATUAL. COMPETÊNCIA MATERIAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO. Nos termos dos incisos I e IX do art . 114 da Constituição Federal, compete à Justiça do Trabalho processar e julgar as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, assim como outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei. Por sua vez, as regras estabelecidas no art. 651 da CLT dizem respeito à competência em razão do lugar, não tendo relação com a jurisdição e a competência material da Justiça do Trabalho, sendo omissa a norma celetista quanto a esse tema. Caso em que o reclamante postula o reconhecimento da unicidade contratual, com fundamento na formação de grupo econômico entre a reclamada Gerdau Aços Longos S .A. e as empresas situadas nos Estados Unidos da América (Gerdau Macsteel e Gerdau Ameristeel US Inc). Admitida pela ré a formação de grupo econômico entre a empresa brasileira e as empresas norte-americanas (estas vinculadas à primeira), aplicam-se à hipótese as regras de competência em razão do lugar dispostas no art. 651, caput e § 3º da CLT, bem como no art . 21 do CPC e art. 12 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, sendo a Justiça do Trabalho competente para processar e julgar a demanda. Recurso ordinário não provido no tópico. (TRT-4 – ROT: 0021008-93 .2021.5.04.0023, Data de Julgamento: 01/03/2024, 10ª Turma)